segunda-feira, 25 de abril de 2011

Uma aventura na Serra da Estrela, por André Craveiro

O André Craveiro, de 19 anos, enviou-me, há já algum tempo, o seguinte relato de uma aventura que teve na Serra da Estrela.
Na altura não foi oportuna a publicação prometida e por isso aqui vai agora numa versão mais curta do que o original.













"A. bicicleta, é um modelo de btt que adquiri à cerca de 6 anos na Decathlon... O gosto foi crescendo, anulando as ideias do btt, não por completo, mas o suficiente para me fazer pôr travões v-brake na minha rockrider, que vinha equipada de origem com um travões de disco mecânicos, pneus slicks, entre outros acessórios que pudessem de certa forma equiparar a minha “gorda” a uma “fininha"

Os meus avós paternos que têm casa em Manteigas, mas também tenho outros que têm casa numa aldeia chamada Pêro-Viseu, uma aldeia pacata onde também costumo passar parte das férias de Verão e por vezes da Páscoa, no Concelho do Fundão. Neste aspecto tenho sorte ! Portando na época das férias da Páscoa, eu e a minha família tivemos a disponibilidade de nos deslocar-mos à dita aldeia, para lá celebrar-mos este momento festivo, em especial nas aldeias onde felizmente parece que o tempo pára e podemos aproveitar o silêncio e a paz que oferece aos citadinos como eu, e onde as festividades são feitas de forma ainda típica !
“ E que tal se levar a bicicleta para dar por lá umas voltas valentes?” Respondi imediatamente a mim próprio que voltas ou que Volta iria fazer. Pesquisei durante algum tempo, fui aconselhado pelo meu tio de tantas aventuras sobre alguns desafios de que ele tinha conhecimento naquelas zonas, algumas delas inóspitas! Reflecti sobre o meu actual estado de forma e a possibilidade ou não de fazer uma coisa destas e colhi informação, muita informação e decidi que o objectivo, tal como no passado iria passar pela passagem pelo ponto mais alto de Portugal Continental. Estudei o percurso bem, as principais subidas, a extensão das mesmas, a inclinação, passei os olhos por tudo. Imprimi uns mapas, marquei o caminho nos ditos mapas de forma a ter sempre uma linha orientadora durante a aventura, pois não tenho nenhum sistema de posicionamento global (GPS).

Cheguei à terra numa terça-feira e dei umas voltas para matar saudades de tudo aquilo! Na quarta acordei cedo e fui dar uma volta leve pelas redondezas para as minhas pernas despertarem ! Deu para ver que não estava mal, mas um pouco longe da forma que tinha alguns meses atrás. O problema é que começava a denotar sinais de gripe ! Pensei para mim, isto vai estragar tudo, vou deitar tudo a perder. Todo o esforço para transportar a bicicleta e depois poderia não estar em condições de realizar o que tinha idealizado há já algumas semanas. Nessa noite dormi sobre o assunto, ou melhor, não dormi ! Deu para descansar um pouco o espírito e rezar para que no dia seguinte tivesse em condições. Acordei ainda nem eram 5h30, levantei-me, denotei que estava frio dentro de casa, o que poderia dizer do exterior !
Vesti-me com umas calças de ciclismo com alças, uma t-shirt, uma camisola térmica e por cima um casaco. Logo pensei que a roupa não iria ser a suficiente, mas era o que tinha; calcei umas luvas de verão e umas dedos compridos por cima, que eram feitos de uma fina camada de algodão. Estou tramado pensei para mim. De seguida pus o buff a envolver o pescoço e a cabeça, um gorro logo por cima e por fim o casco. Calçado levei dois pares de meias e uns sapatos nike de corrida ( hoje tenho uns sapatos de ciclismo com pedais de encaixe). Depois de vestido, chegava a hora de equipar a mochila com o equipamento necessário, câmara de ar, bomba, remendos para pneus e claro comida ( géis, bastantes barras que transportava tanto na mochila como nos bolsos da t-shirt, uma sandes preparadas pela minha mãe, e três cantis com bebidas isotónicas de forma a poderem abastecer-me de minerais, potássios, sódios, hidratos, proteínas e afins, compensando as perdas do organismo sujeito ao elevado esforço. Depois de tudo arranjado, denotei uma grande ansiedade, ir sozinho nesta aventura sem igual, com condições tão adversas ( alguma chuva, vento e neve, este ultimo ainda por desvendar a quantidade, mas pelo que dois dias anteriores tinha avistado, não me parecia que fosse pouca ! Benzi-me e pedi para que o caminho me levasse em bem, sem problemas de maior
Finalmente arranquei antes das 7h, sozinho, com batimentos acelerados pela escuridão fria que a cada metro se me entrepunha entre mim e a minha “companheira” e o caminho a desbravar !
Portanto, saí da aldeia e já na estrada denotei condições climatéricas não muito animadoras, temperatura baixa e um vento moderado, tal como o meu tio me havia confirmado no dia anterior pelo telefone. Devagar fui fazendo o aquecimento, parte que muita gente negligencia muitas vezes por falta de conhecimento ou mesmo por considerá-lo uma perda de tempo. Adiante, os primeiro kms foram feitos descontraidamente, passando pelo cruzamento do fundão para a Covilhã, seguidamente por Alcaria e as terras foram-se sucedendo umas atrás de outras.
Depois de Alcaria, fui posto a prova por uma primeira rampa, não pela extensão mas pelo elevado pendente, depois seguiu-se o Dominguizo e o Bairro do Cabeço, perto da zona industrial do Tortosendo.
Apanhei a N230 tal como estava previsto e prossegui por mais cerca de 12 km até fazer a minha primeira paragem em Unhais da Serra. Fiz este percurso relativamente rápido, tirando algumas fotografias pelo caminho. Cheguei a Unhais da Serra, não se via ninguém na rua, passei pelo novo hotel termal de Unhais, luxuoso quanto baste, parei para apreciar a paisagem e pus-me de novo ao caminho. O vento teimava em continuar a soprar de frente com relativa intensidade, mas os km foram sendo devorados, km a km. Continuei por mais 20 km a pedalar, passando por locais com paisagens de uma beleza natural enorme, como podem comprovar pelas fotografias que fui tirando pelo caminho. Foi uma parte do percurso para estar em paz com a natureza, uma vez que, nestes 20 km só passou um carro por mim, se calhar pelas horas ou pela preferência das pessoas pelos centros comerciais "na zona".
Ao fim desses 20 km parei para consultar novamente os mapas que trazia comigo, e para auferir se aquele era o cruzamento para Alvoco da Serra que estava no mapa. Comi uma sandes que trazia comigo para me preparar para as subidas que aí vinham!
De salientar que tive cuidado de ir bebendo, por períodos regulares as bebidas isotónicas que trazia comigo. Se até aqui o percurso tinha sido sempre com um ligeiro declive e com vento de frente, a partir daqui começou a aumentar com o vento a aparecer de lado. Como referi a partir daqui, apesar da pouca quilometragem começou a puxar mais pelos galões. Por esta razão, deixei de ficar tão absorvido pela paisagem envolvente e mais concentrado na gestão do esforço dali para a frente, até ali tinha sido um só um aquecimento.
Passei por terras como Vasco Esteves de cima, Vasco Esteves de baixo, Outeiro da Vinha e por fim Alvoco da Serra, sempre em terreno desconhecido. Tentei manter uma cadência elevada de forma a não fatigar tanto os músculos das pernas e trabalhar mais o cardio e não acumular tanto acido láctico, que poderia culminar em caímbras.
Cheguei a Alvoco da Serra e parei novamente, pedi algumas informações a habitantes locais que me indicaram o caminho para Loriga, paragem a evitar pois não havia nada que enganar, era seguir sempre a estrada. Um pouco mais a frente de Alvoco da Serra encontro finalmente um companheiro do pedal, conversámos um bocado, fiquei a saber que ele era de Loriga e era bombeiro. Começou a chover chuva miudinha, que aos poucos e poucos foi engrossando até que decidi vestir o impermeável/corta-vento. Continuamos na amena cavaqueira, mostrando-lhe as minhas intenções de ir a torre, seguindo pela estrada que liga o alto de Loriga à Lagoa comprida e depois dai até à torre.
Perguntei-lhe o que é que ele achava da estrada, ao que ele me respondeu que é uma estrada nova, bem alcatroada com cerca de 9 km a partir do cruzamento.. mas que para os ciclistas ali da zona é conhecida como o "inferno de Loriga". Ele disse que eu era louco e que devia era voltar para trás. Louco já sabia que era um bocadinho, mas voltar para trás, só se me barrassem a passagem. Não havia volta a dar, tinha de continuar. Agradeci-lhe a companhia que me fez até Loriga, mas a partir dali tinha de continuar na minha jornada solitária. Ainda me disse que se quisesse ir a torre que me despachasse pois ao início da tarde estava prevista queda de neve a partir da cota dos 1500 metros e temperaturas na ordem dos -5º no alto da torre.
A partir de Loriga até a rotunda que dá acesso a EN338 são cerca de 3 km. Estes foram feitos com calma de forma a poupar energias para a subida mais dura que já fiz em cima da bicicleta. Cheguei a rotunda, tirei umas fotografias, liguei para a minha mãe dizendo onde estava e quais eram as minhas intensões. Ficou alarmada e com razão porque não lhe tinha dito em concreto qual era o percurso, inconsciência da minha parte apesar de ter sempre comigo o telemóvel caso fosse preciso ir-me buscar. Disse inúmeras vezes para ter cuidado com a subida e principalmente com a descida da torre para a Covilhã. Finda a conversa e os petiscos montei a burra e devagar devagarinho fui sondando o início da subida. Os primeiros 4 km/5km foram feitos calmamente a velocidades na casa dos 10 a 13km/h, baixando em zonas mais criticas (leia-se 12 e 14%) para 8km/h. Nestes pontos, que não eram poucos, comecei a sentir dor muscular, ainda sem cãibras, mas elas mais tarde ou mais cedo acabariam por vir. Daí para a frente foi o ver se te avias, já bastante desgastado pelos quilómetros que trazia desde a Peroviseu, quase sempre a subir. Os últimos 4 km foram feitos já no limiar das minhas forças, com as malvadas cãibras a fazerem-se sentir, e de que maneira! No final desta subida iria apanhar a estrada que segue para a torre, cerca de 9 km. Antes de continuar parei para novamente abastecer o depósito. Continuei a pedalar e à medida que ia avançando, via cada vez mais neve na orla da estrada e mesmo nela. Comecei a ver pela primeira vez neve mais ou menos aos 1500 ainda na subida de Loriga, mas agora era algo que só visto! Apesar deste troço não ser propriamente fácil, foi mais fácil do que o outro, mas a exposição às condições atmosféricas eram de longe pior, mais vento, mais neve, bastante nevoeiro e carros à mistura.
Pedalei sem pensar em mais nada, tentando ignorar tudo o que me podia enfraquecer... Até que começo a avistar ao longe placas indicativas da proximidade da torre, suspirei de alivio! Apesar de não ter ido mesmo até à torre, fui até ao cruzamento que dá para lá! Foi-me de todo impossível ir, tanto pelo enorme movimento, como pelo enorme cansaço, como pela neve que caia naquele momento. Queria era despachar-me dali e ir para casa, se não morria ali, se não morresse ficava de certeza em estado de hipotermia, isso vos garanto. Antes de partir, cheguei a perguntar a um guarda se sabia qual era a temperatura que fazia ali, ao que me respondeu que rondava os 4/5 graus negativos, isto sem ter em conta as rajadas ciclónicas que se faziam sentir. Era mais o menos o que eu esperava! Pus-me ao caminho e reparei que a enorme multidão de pessoas se focava unicamente em mim, incrédulos de certa forma ou pensando que eu devia ser atrasado mental ou tarado. Mas interessa lá o que os outros pensam! Interessava sim o meu estado de contentamento e de realização! A descida para a Covilhã foi feita com bastante cuidado devido ao piso escorregadio umas centenas de metros mais abaixo. Das penhas da saúde para a Covilhã o vento era tão forte que o íman do conta quilómetros deslocou-se de tal maneira que deixou de marcar a velocidade. Nunca me tinha acontecido, nem quando fui ao cabo da Roca.
Só parei quando cheguei à Covilhã, enregelado até aos ossos. Era tal o frio que na descida praticamente não sentia as mãos, chegando mesmo a ter umas inéditas cãibras nas ditas cujas, coisa que também nunca me tinha acontecido !
Parei na Covilhã para descansar e alongar um pouco as pernas fatigadas, de seguida segui viagem pela via que une a Covilhã ao Fundão.
Por volta das 3 horas cheguei a casa são e salvo novamente com a minha família preocupada comigo. Desafio superado! Sentia-me de rastos, nem tinha força para sequer falar com ninguém. Tomei banho, almocei, dormi uma sesta de algumas horas e acordei mais tarde, sentei-me na cama e reflecti sobre o que se tinha passado naquele dia"

10 comentários:

  1. Estas aventuras ficam para sempre, e serão contadas muitas vezes. Há pessoas que simplesmente não têm histórias para contar, e isso é que é triste.
    Abraços ao companheiro André e que comece a pensar na próxima, que tal a 4 de Junho na Clássica da Serra ?

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  2. Extraordinário bela aventura pena o frio/vento mas uma bela aventura, parabéns.

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  3. Desde já agradeço ao J.Manso por ter postado o meu relato antes do dele. Depois quanto à clássica o problema prende-se pela ausência de bicicleta de estrada, a forma um pouco pior do que na altura em que fiz esta volta e a dificuldade de me deslocar nessa altura à serra. Mal consiga equilibrar este trinómio, não digo que seja para breve, irei com todo o gosto convosco !
    Um abraço e bem haja !

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  4. No próximo fim-de-semana não há volta definida.

    Alguém avança com uma sugestão?
    (De preferência com alguma dureza)

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  5. O treino de 24/04/2011 não foi cumprido, pelo que pode ser opção para o próximo fim de semana.

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  6. André Craveiro,
    Os meus parabéns, és um dos bravos, ainda mais louco do que eu!
    Jorge Medeiros-Seia
    www.jmedeiros.blogs.sapo.pt

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  7. Olá Jorge ! Apesar de na penumbra acompanho o teu blogue à algum tempo com alguma frequência e desde já felicito-te pelo sem número de experiências velocipédicas que tens realizado, tendo em conta o facto de te teres iniciado no ciclismo não assim à tanto tempo.
    Espero mais tarde poder dar uma volta com o vosso pessoal aquando de uma ida à serra, mas só irá ser possível quando tiver uma "fininha". Com uma bicicleta como a minha é dificil acompanhar o pessoal !
    cumprimentos

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  8. Boas pessoal,

    A próxima volta é a Montejunto.
    A hora de saída vai ser antecipada para podermos vir todos juntos.

    O percurso será publicado logo que haja tempo
    Abraços

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  9. André,
    Grato por acomapnhares o emu blog, vou fazendo o que posso.
    Avisa quando vieres cá cima, pedalas mesmo com a tua bike, não há problema.
    Abaço
    Jorge Medeiros-Seia

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